Por Carine Souza
Haja paciência negra em novembro
Novembro mal começou e a minha paciência negra já está quase no fim. Ano após ano, é sempre o mesmo cenário. Os convites para participar da programação de eventos literários começam a pipocar a partir da segunda quinzena de outubro. E, aos poucos, o sentimento de revolta vai crescendo no meu nobre coraçãozinho. Eu poderia estar satisfeita, afinal, é trabalho chegando e eu preciso pagar as contas. Mas aí é que mora o perigo: é trabalho, eu preciso pagar as contas, e a maioria desses convites não acompanham propostas de remuneração.
A verdade é que o maior problema mesmo não é trabalhar de graça, o maior problema mesmo é pessoas brancas acharem que ainda podem escravizar a gente. Veja bem: quando o coletivo Mulheres Negras na Biblioteca recebe convites, com possibilidade de remuneração ou não, a primeira coisa que a gente analisa é a abordagem, em seguida, o propósito e, por último, a contrapartida. Dependendo do propósito do evento, a contrapartida é o que menos importa, especialmente, se o convite vem de coletivos que não possuem recurso financeiro. E, se a proposta vem de uma instituição que tem verba, a gente faz questão de receber – afinal, o que é justo é justo, não é mesmo? Mas e se uma organização que alega não ter verba faz uma abordagem desrespeitosa e ainda quer explorar o nosso tempo em uma tentativa de terceirizar a produção do evento? O que a gente faz? Ah... aí a gente, com certeza e razão, se revolta.
A princesa já chega pisando com ar de salvadora: “se vocês quiserem, eu deixo vocês participarem da minha festa literária, de graça”. Oi? Tutopom? O respeito aqui também é de graça, viu? Tira o sapatinho aí, little darling! A gente muda logo o rumo da prosa, porque, né, a gente não é obrigada. Anota aí: se você quiser que a gente participe do seu evento, o mínimo que você precisa fazer é, antes de mais nada, ter respeito pelo nosso trabalho e enviar uma proposta, sem esquecer de informar a contrapartida. Pokas! Pera lá, a gente é legal, mas não é besta.
Agora, minha gente, bota aí nessa conversa mais falta de noção da D. Isabel: tom autoritário, pedidos de contatos e pedidos para fazer contatos, vídeos etc. E tira dela a educação e o respeito. É de se revoltar ou não é? E a gente ainda fica procurando paciência onde não se deve ter. Mas se deixar escravizar, isso a gente não deixa, não, Sinhá. Not today, demônia!
Repara a crueldade! A gente está na luta diária pelo reconhecimento da nossa humanidade e isso, por si só, já é exaustivo. Aí, como se não bastasse, quando chega o mês da consciência negra, o racismo opera da forma mais traiçoeira, com suas armadilhas e pessoas disfarçadas de antirracistas, devorando o pouco de saúde emocional que nos resta, e esse acaba virando o mês da paciência negra. Revolta! Estou cheia de princesas Isabel. O Brasil está cheio delas. Eu quero ver quando Dandara dos Palmares chegar... que ela não tenha piedade dessa gente! Eu quero ver respeito.
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Dica de leitura